Partidos políticos angolanos consideraram hoje que Angola vai começar um ano judicial “atípico”, marcado pelo envolvimento de juízes em casos de corrupção, defendendo uma reflexão para “devolver ao país a dignidade que esta área precisa”. Ou seja, qualquer semelhança com uma democracia e um Estado de Direito é mera coincidência. É, aliás, mera coincidência desde que o MPLA comprou o país, há 47 anos.
Em declarações à agência Lusa, a vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA, Mihaela Weba, destacou duas grandes prioridades para o novo ano judicial, cuja abertura está prevista para quarta-feira.
Mihaela Weba considerou a principal prioridade a separação de poderes entre o judicial e o executivo.
“O poder judicial tem que ser efectivamente autónomo, independente e imparcial e realizar a justiça de acordo com a Constituição e a lei, esta é a primeira prioridade. O poder judicial não pode estar a receber constantemente ordens do poder executivo”, frisou. Isso, é claro, só acontece nos Estados de Direito, o que manifestamente não é o caso de Angola.
A deputada da UNITA apontou como segunda grande prioridade a valorização dos recursos humanos, nomeadamente salarial e formativa. Pois. Mas como é que isso é possível num reino que privilegia o primado da subserviência e não o da competência?
Segundo Mihaela Weba, a lei angolana estabelece os Tribunais de Relação e é preciso que estes funcionem, o que não está a acontecer “por falta quer de infra-estruturas quer de recursos humanos especializados e capacitados”.
“Depois temos a questão da dignificação salarial de todas as pessoas que trabalham no sector da justiça, desde os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público, os funcionários dos tribunais, todas essas pessoas têm que efectivamente ver a sua progressão na carreira, a sua valorização salarial, para que possam estar motivados para prestarem bom serviço à justiça e não haver tendências de corrupção”, acentuou.
A vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA realçou “os escândalos” com que diariamente os angolanos são brindados sobre o envolvimento de agentes da justiça em casos de corrupção, que “demonstram que efectivamente o facto de estarem a ganhar pouco permite que os magistrados possam recorrer a esquemas de corrupção, para poderem acudir às suas necessidades diárias”.
“Para se evitar isso eu penso que a terceira prioridade seria a valorização salarial dos actores do sector da justiça”, indicou.
Sobre o silêncio das instituições à volta das informações sobre o envolvimento dos juízes presidentes do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, e Exalgina Gamboa do Tribunal de Contas, Mihaela Weba é de opinião que “se Angola fosse um verdadeiro Estado de Direito democrático, a Procuradoria-Geral da República [PGR], enquanto órgão defensor da legalidade democrática, já teria agido em conformidade”.
“O facto de a Procuradoria-Geral da República receber ordens do Titular do Poder Executivo (também presidente do MPLA) faz com que só se abram inquéritos naquilo que seja o interesse do Presidente da República”, disse, salientando que no que não é seu interesse “os inquéritos não são abertos e isso está errado”.
“Vamos começar um ano judicial atípico, com um procurador-geral que terminou o mandato, não se sabe se é demissionário ou não, as notícias dizem que é demissionário, entretanto, o Presidente da República não nomeia um novo PGR”, frisou a deputada, lembrando igualmente que a Provedoria de Justiça está sem condições de trabalho, nomeadamente instalações condignas e recursos humanos suficientes, para cumprir com o que deveria ser o seu papel, de mediador entre governantes e governados.
“Por outro lado, temos dois juízes conselheiros presidentes com escândalos de corrupção terríveis, que as instituições nada dizem, os tribunais que presidem também não se pronunciam e, portanto, é a abertura de um ano judicial, infelizmente, atípico, por causa desses escândalos todos de corrupção”, vincou.
Por sua vez, o secretário-geral Partido de Renovação Social, Rui Malopa, considerou que a justiça é o garante das liberdades, dos direitos dos cidadãos.
“Mas infelizmente, não é o que acontece, já há algum tempo que o país viu a sua imagem mergulhada na lama, por aqueles que deveriam assegurar, garantir, o exercício da justiça, são eles que estão sendo acusados de estarem a praticar actos indecentes, imorais”, acrescentou.
“A ser verdade não é bom para o país, que quer que a justiça se assuma verdadeiramente, que a justiça seja um órgão autónomo e independente. Então, até belisca, o cidadão fica sem perceber aonde se encostar, agora que se vai abrir um ano judicial, entendo que toda a acção das pessoas, dos juízes e todo o pessoal que está à volta deste processo da aplicação da justiça se compenetrem, reflictam e vejam o que é que têm que fazer para devolver ao país a dignidade que esta área precisa, que ela merece, para de facto dar alguma confiança aos cidadãos sobre a sua aplicação”, sublinhou.
Folha 8 com Lusa